Cantares - J. Ferreira de Almeida 
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Cantares 1

1:1. O cântico dos cânticos, que é de Salomão.

1:2. Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho.

1:3. Suave é o cheiro dos teus perfumes; como perfume derramado é o teu nome; por isso as donzelas te amam.

1:4. Leva-me tu; correremos após ti. O rei me introduziu nas suas recâmaras; em ti nos alegraremos e nos regozijaremos; faremos menção do teu amor mais do que do vinho; com razão te amam.

1:5. Eu sou morena, mas formosa, ó filhas de Jerusalém, como as tendas de Quedar, como as cortinas de Salomão.

1:6. Não repareis em eu ser morena, porque o sol crestou-me a tez; os filhos de minha mãe indignaram-se contra mim, e me puseram por guarda de vinhas; a minha vinha, porém, não guardei.

1:7. Dize-me, ó tu, a quem ama a minha alma: Onde apascentas o teu rebanho, onde o fazes deitar pelo meio-dia; pois, por que razão seria eu como a que anda errante pelos rebanhos de teus companheiros?

1:8. Se não o sabes, ó tu, a mais formosa entre as mulheres, vai seguindo as pisadas das ovelhas, e apascenta os teus cabritos junto às tendas dos pastores.

1:9. A uma égua dos carros de Faraó eu te comparo, ó amada minha.

1:10. Formosas são as tuas faces entre as tuas tranças, e formoso o teu pescoço com os colares.

1:11. Nós te faremos umas tranças de ouro, marchetadas de pontinhos de prata.

1:12. Enquanto o rei se assentava à sua mesa, dava o meu nardo o seu cheiro.

1:13. O meu amado é para mim como um saquitel de mirra, que repousa entre os meus seios.

1:14. O meu amado é para mim como um ramalhete de hena nas vinhas de En-Gedi.

1:15. Eis que és formosa, ó amada minha, eis que és formosa; os teus olhos são como pombas.

1:16. Eis que és formoso, ó amado meu, como amável és também; o nosso leito é viçoso.

1:17. As traves da nossa casa são de cedro, e os caibros de cipreste.


Cantares 2

2:1. Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales.

2:2. Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha amada entre as filhas.

2:3. Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos; com grande gozo sentei-me à sua sombra; e o seu fruto era doce ao meu paladar.

2:4. Levou-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre mim era o amor.

2:5. Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, porque desfaleço de amor.

2:6. A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a sua mão direita me abrace.

2:7. Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis nem desperteis o amor, até que ele o queira.

2:8. A voz do meu amado! eis que vem aí, saltando sobre os montes, pulando sobre os outeiros.

2:9. O meu amado é semelhante ao gamo, ou ao filho do veado; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas, lançando os olhos pelas grades.

2:10. Fala o meu amado e me diz: Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem.

2:11. Pois eis que já passou o inverno; a chuva cessou, e se foi;

2:12. aparecem as flores na terra; já chegou o tempo de cantarem as aves, e a voz da rola ouve-se em nossa terra.

2:13. A figueira começa a dar os seus primeiros figos; as vides estão em flor e exalam o seu aroma. Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem.

2:14. Pomba minha, que andas pelas fendas das penhas, no oculto das ladeiras, mostra-me o teu semblante faze-me ouvir a tua voz; porque a tua voz é doce, e o teu semblante formoso.

2:15. Apanhai-nos as raposas, as raposinhas, que fazem mal às vinhas; pois as nossas vinhas estão em flor.

2:16. O meu amado é meu, e eu sou dele; ele apascenta o seu rebanho entre os lírios.

2:17. Antes que refresque o dia, e fujam as sombras, volta, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho dos veados sobre os montes de Beter.


Cantares 3

3:1. De noite, em meu leito, busquei aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, porém não o achei.

3:2. Levantar-me-ei, pois, e rodearei a cidade; pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma. Busquei-o, porém não o achei.

3:3. Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; eu lhes perguntei: Vistes, porventura, aquele a quem ama a minha alma?

3:4. Apenas me tinha apartado deles, quando achei aquele a quem ama a minha alma; detive-o, e não o deixei ir embora, até que o introduzi na casa de minha mãe, na câmara daquela que me concebeu:

3:5. Conjuro-vos, ó filhos de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis, nem desperteis o amor, até que ele o queira.

3:6. Que é isso que sobe do deserto, como colunas de fumaça, perfumado de mirra, de incenso, e de toda sorte de pós aromáticos do mercador?

3:7. Eis que é a liteira de Salomão; estão ao redor dela sessenta valentes, dos valentes de Israel,

3:8. todos armados de espadas, destros na guerra, cada um com a sua espada a cinta, por causa dos temores noturnos.

3:9. O rei Salomão fez para si um palanquim de madeira do Líbano.

3:10. Fez-lhe as colunas de prata, o estrado de ouro, o assento de púrpura, o interior carinhosamente revestido pelas filhas de Jerusalém.

3:11. Saí, ó filhas de Sião, e contemplai o rei Salomão com a coroa de que sua mãe o coroou no dia do seu desposório, no dia do júbilo do seu coração.


Cantares 4

4:1. Como és formosa, amada minha, eis que és formosa! os teus olhos são como pombas por detrás do teu véu; o teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.

4:2. Os teus dentes são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.

4:3. Os teus lábios são como um fio de escarlate, e a tua boca e formosa; as tuas faces são como as metades de uma roma por detrás do teu véu.

4:4. O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para sala de armas; no qual pendem mil broquéis, todos escudos de guerreiros valentes.

4:5. Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios.

4:6. Antes que refresque o dia e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e ao outeiro do incenso.

4:7. Tu és toda formosa, amada minha, e em ti não há mancha.

4:8. Vem comigo do Líbano, noiva minha, vem comigo do Líbano. Olha desde o cume de Amana, desde o cume de Senir e de Hermom, desde os covis dos leões, desde os montes dos leopardos.

4:9. Enlevaste-me o coração, minha irmã, noiva minha; enlevaste- me o coração com um dos teus olhares, com um dos colares do teu pescoço.

4:10. Quão doce é o teu amor, minha irmã, noiva minha! quanto melhor é o teu amor do que o vinho! e o aroma dos teus ungüentos do que o de toda sorte de especiarias!

4:11. Os teus lábios destilam o mel, noiva minha; mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano.

4:12. Jardim fechado é minha irmã, minha noiva, sim, jardim fechado, fonte selada.

4:13. Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes; a hena juntamente com nardo,

4:14. o nardo, e o açafrão, o cálamo, e o cinamomo, com toda sorte de árvores de incenso; a mirra e o aloés, com todas as principais especiarias.

4:15. És fonte de jardim, poço de águas vivas, correntes que manam do Líbano!

4:16. Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, espalha os seus aromas. Entre o meu amado no seu jardim, e coma os seus frutos excelentes!


Cantares 5

5:1. Venho ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, para colher a minha mirra com o meu bálsamo, para comer o meu favo com o meu mel, e beber o meu vinho com o meu leite. Comei, amigos, bebei abundantemente, ó amados.

5:2. Eu dormia, mas o meu coração velava. Eis a voz do meu amado! Está batendo: Abre-me, minha irmã, amada minha, pomba minha, minha imaculada; porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da noite.

5:3. Já despi a minha túnica; como a tornarei a vestir? já lavei os meus pés; como os tornarei a sujar?

5:4. O meu amado meteu a sua mão pela fresta da porta, e o meu coração estremeceu por amor dele.

5:5. Eu me levantei para abrir ao meu amado; e as minhas mãos destilavam mirra, e os meus dedos gotejavam mirra sobre as aldravas da fechadura.

5:6. Eu abri ao meu amado, mas ele já se tinha retirado e ido embora. A minha alma tinha desfalecido quando ele falara. Busquei-o, mas não o pude encontrar; chamei-o, porém ele não me respondeu.

5:7. Encontraram-me os guardas que rondavam pela cidade; espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o manto os guardas dos muros.

5:8. Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, se encontrardes o meu amado, que lhe digais que estou enferma de amor.

5:9. Que é o teu amado mais do que outro amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? Que é o teu amado mais do que outro amado, para que assim nos conjures?

5:10. O meu amado é cândido e rubicundo, o primeiro entre dez mil.

5:11. A sua cabeça é como o ouro mais refinado, os seus cabelos são crespos, pretos como o corvo.

5:12. Os seus olhos são como pombas junto às correntes das águas, lavados em leite, postos em engaste.

5:13. As suas faces são como um canteiro de bálsamo, os montões de ervas aromáticas; e os seus lábios são como lírios que gotejam mirra.

5:14. Os seus braços são como cilindros de ouro, guarnecidos de crisólitas; e o seu corpo é como obra de marfim, coberta de safiras.

5:15. As suas pernas como colunas de mármore, colocadas sobre bases de ouro refinado; o seu semblante como o líbano, excelente como os cedros.

5:16. O seu falar é muitíssimo suave; sim, ele é totalmente desejável. Tal é o meu amado, e tal o meu amigo, ó filhas de Jerusalém.


Cantares 6

6:1. Para onde foi o teu amado, ó tu, a mais formosa entre as mulheres? para onde se retirou o teu amado, a fim de que o busquemos juntamente contigo?

6:2. O meu amado desceu ao seu jardim, aos canteiros de bálsamo, para apascentar o rebanho nos jardins e para colher os lírios.

6:3. Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu; ele apascenta o rebanho entre os lírios.

6:4. Formosa és, amada minha, como Tirza, aprazível como Jerusalém, imponente como um exército com bandeiras.

6:5. Desvia de mim os teus olhos, porque eles me perturbam. O teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.

6:6. Os teus dentes são como o rebanho de ovelhas que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.

6:7. As tuas faces são como as metades de uma romã, por detrás do teu véu.

6:8. Há sessenta rainhas, oitenta concubinas, e virgens sem número.

6:9. Mas uma só é a minha pomba, a minha imaculada; ela e a única de sua mãe, a escolhida da que a deu à luz. As filhas viram-na e lhe chamaram bem-aventurada; viram-na as rainhas e as concubinas, e louvaram-na.

6:10. Quem é esta que aparece como a alva do dia, formosa como a lua, brilhante como o sol, imponente como um exército com bandeiras?

6:11. Desci ao jardim das nogueiras, para ver os renovos do vale, para ver se floresciam as vides e se as romanzeiras estavam em flor.

6:12. Antes de eu o sentir, pôs-me a minha alma nos carros do meu nobre povo.

6:13. Volta, volta, ó Sulamita; volta, volta, para que nós te vejamos. Por que quereis olhar para a Sulamita como para a dança de Maanaim?


Cantares 7

7:1. Quão formosos são os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! Os contornos das tuas coxas são como jóias, obra das mãos de artista.

7:2. O teu umbigo como uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como montão de trigo, cercado de lírios.

7:3. Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela.

7:4. O teu pescoço como a torre de marfim; os teus olhos como as piscinas de Hesbom, junto à porta de Bate-Rabim; o teu nariz é como torre do Líbano, que olha para Damasco.

7:5. A tua cabeça sobre ti é como o monte Carmelo, e os cabelos da tua cabeça como a púrpura; o rei está preso pelas tuas tranças.

7:6. Quão formosa, e quão aprazível és, ó amor em delícias!

7:7. Essa tua estatura é semelhante à palmeira, e os teus seios aos cachos de uvas.

7:8. Disse eu: Subirei à palmeira, pegarei em seus ramos; então sejam os teus seios como os cachos da vide, e o cheiro do teu fôlego como o das maçãs,

7:9. e os teus beijos como o bom vinho para o meu amado, que se bebe suavemente, e se escoa pelos lábios e dentes.

7:10. Eu sou do meu amado, e o seu amor é por mim.

7:11. Vem, ó amado meu, saiamos ao campo, passemos as noites nas aldeias.

7:12. Levantemo-nos de manhã para ir às vinhas, vejamos se florescem as vides, se estão abertas as suas flores, e se as romanzeiras já estão em flor; ali te darei o meu amor.

7:13. As mandrágoras exalam perfume, e às nossas portas há toda sorte de excelentes frutos, novos e velhos; eu os guardei para ti, ó meu amado.


Cantares 8

8:1. Ah! quem me dera que foras como meu irmão, que mamou os seios de minha mãe! quando eu te encontrasse lá fora, eu te beijaria; e não me desprezariam!

8:2. Eu te levaria e te introduziria na casa de minha mãe, e tu me instruirias; eu te daria a beber vinho aromático, o mosto das minhas romãs.

8:3. A sua mão esquerda estaria debaixo da minha cabeça, e a sua direita me abraçaria.

8:4. Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que não acordeis nem desperteis o amor, até que ele o queira.

8:5. Quem é esta que sobe do deserto, e vem encostada ao seu amado? Debaixo da macieira te despertei; ali esteve tua mãe com dores; ali esteve com dores aquela que te deu à luz.

8:6. Põe-me como selo sobre o teu coração, como selo sobre o teu braço; porque o amor é forte como a morte; o ciúme é cruel como o Seol; a sua chama é chama de fogo, verdadeira labareda do Senhor.

8:7. As muitas águas não podem apagar o amor, nem os rios afogá- lo. Se alguém oferecesse todos os bens de sua casa pelo amor, seria de todo desprezado.

8:8. Temos uma irmã pequena, que ainda não tem seios; que faremos por nossa irmã, no dia em que ela for pedida em casamento?

8:9. Se ela for um muro, edificaremos sobre ela uma torrezinha de prata; e, se ela for uma porta, cercá-la-emos com tábuas de cedro.

8:10. Eu era um muro, e os meus seios eram como as suas torres; então eu era aos seus olhos como aquela que acha paz.

8:11. Teve Salomão uma vinha em Baal-Hamom; arrendou essa vinha a uns guardas; e cada um lhe devia trazer pelo seu fruto mil peças de prata.

8:12. A minha vinha que me pertence está diante de mim; tu, ó Salomão, terás as mil peças de prata, e os que guardam o fruto terão duzentas.

8:13. ç tu, que habitas nos jardins, os companheiros estão atentos para ouvir a tua voz; faze-me, pois, também ouvi-la:

8:14. Vem depressa, amado meu, e faze-te semelhante ao gamo ou ao filho da gazela sobre os montes dos aromas.